sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Na ponta de um ramo

A minha vida
Foi sempre como um mar revolto de memórias chocalhando contra os penhascos em dias de Inverno
A minha vida foi como uma solidão do tamanho do mar
Como uma tempestade do tamanho do céu
Foram relâmpagos de amor, de paixão, e de desespero
A minha vida foi um lugar incerto
Foram lampejos de dor e de alegria à chuva da tortura dos dias
A minha vida foi ninguém
Lugar nenhum
Facto nenhum
Ilusão de agonia apenas
Como as brisas de Inverno que furam os casacos de malha
Foi isto: um susto de ter acordado de um sonho tranquilo que nunca adormeci
Foram tempestades
Turbilhões de tempestades enroscados nos meus cabelos
Fui eu
Fui eu que não soube furar senão por entre os galhos
Fui eu que me quis agarrar aos ramos com espinhos com medo de cair
Fui eu que decidi avançar para as rochas com as mãos a sangrar
Mas o frio era tanto
Era tanto que os meus pés resvalaram no gelo
Fui eu
Fui eu que decidi enfiar-me por esse caminho de onde sou incapaz de sair
Dói-me o coração de ser eu a segurar-me o tecto e a chuva faz-me doer o coração
Não soube fazer a minha toca
Queria estar ao ar
Queria o sol
Queria aquele calor que aquece o sangue às lagartixas que se esticam nos muros
Queria ser uma lagartixa esticada ao sol
Mas esqueci-me do Inverno
Esqueci-me que tinha duas pernas e de que não podia andar nos muros
E que era grande demais para me esconder nas frinchas em dias de perigo
Esqueci-me do perigo
E de que a gravidade contraria o movimento ascendente daqueles que se movimentam pelas paredes
Esqueci-me
Queria tanto esquecer
Mas nem sempre a memória vai até aonde a vontade deseja
Não sou capaz de esquecer

Acordei na ponta de um ramo para onde subi enquanto estava distraída
Depois lembrei-me de não poder ser nem uma borboleta nem uma libelinha
E o peso do meu corpo fez dobrar o ramo sobre a falésia.
Estou só
Há um vazio sob o peso do meu corpo
Queria que o ar fosse quente para me encher os pulmões e me fazer levitar como a um balão
Mas o ar é frio
E o peso do meu corpo não é passageiro

Setembro/2005

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