sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Morri num dia qualquer

Ainda respiro
Ainda penso
E escrevo e leio que respiro e penso
E penso e leio que respiro
E ainda sonho às vezes
para que me esqueça
Do inferno inteiro
sem nada que me aqueça

Quantas horas de silêncio?
Quanto tempo sem chama?
Raios frios de sol
Gotas secas de chuva
Quantas flores de plástico
ainda me hão-de sorrir?
Quantos dias sem horas?
Quantas ondas sem espuma?
De quantas inspirações e expirações
será o meu corpo capaz
com o tempo parado?

Ainda respiro
Ainda penso
Ainda lembro às vezes
sem convicção nenhuma
um sopro de vida
Todos os dias tento
invento e reinvento
um caminho impossível
para a saída

A minha cabeça
nunca descansa
tranquila na almofada
Há quanto tempo não sinto nada!

Morri num dia qualquer
Não sei se foi em Setembro… ou Maio…
Não há flores nem dizeres na minha campa
Ninguém me chora
Ninguém me lembra
Morri num dia de sol
Distraída… não dei por nada
Só me lembro de acordar
E já lá não estar
A terra não me pesou
Os pássaros continuaram a cantar

Novembro/2010





Os dias dos pássaros

Sonho com os dias
Em que os olhos se levantam
Para o traçado do vento
Sonho com os dias dos pássaros
Livres
E com as linhas temporais
Que desenham no universo
Um fio azul de horizonte
E o calor do sol aos meus pés

Dezembro/2007

O amor é raro

O amor é raro
Nestas paisagens de pedras e de razões práticas
Há ainda as plantas nas fissuras do asfalto
E as palavras
E aqui e além – dizem – partem-se muros
E aqui e além arriscam-se vidas
E aqui e além há quem se equilibre
E atire no vazio
Na esperança de voar

Outubro/2007


Passatempo

Hoje as escadas pareciam mais longas
E a noite mais escura
Mas talvez fossem os meus olhos
Falta pouco. Falta pouco.
Só mais um bocadinho
Passa tempo. Passa.
Não tenho nada a dizer.
É assim.
Que importa?
São só mais dois minutos

Novembro/2006




Anjo

Quando os anjos caem por terra
De asas ardidas nas entranhas de coisas pequenas
E o céu já não é tão azul
Se a pureza e a aura se dissipam
E as cores todas se mesclam numa nuvem de pó cinzento
Quando já não há tempo para fechar os olhos
Sinto-me mais só

Agosto/2006

Duas ou três palavras

Deixaste-me
Os dias longos
As horas todas
O vazio eterno
Deixaste-me
O calor e o frio da tua pele
Gravados na minha
Deixaste-me ao sol, ao vento, à chuva, ao frio
De uma maneira qualquer
Deixaste-me neste sítio
Os dias todos
Todos, entendes? Todos!
De uma maneira qualquer
Com duas ou três palavras
Tão inúteis
Tão banais
Para nada
Duas ou três palavras
Para nada

Agosto/2006

Agora

Tantos pássaros passaram
Tanta chuva caiu
Tantos dias de sol
Tantas horas para esperar
E agora é tarde
É tarde
Porque está a amanhecer outra vez
Outra vez
Está a amanhecer outra vez
Uma manhã fria como as outras
Diferente de todas
É tarde porque me dói tudo outra vez
Porque não te tenho
Porque não te tive
E agora
Está a amanhecer outra vez

Junho/2006